A PÁSCOA É A VOZ QUE NOS RESPONDE
- Publicado em quinta-feira, 09 abril 2020 22:57
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A Páscoa é a voz que nos responde!
No final do conto de Sophia de Mello Breyner Andresen, «A viagem», lê-se:
«Compreendia que agora era ela que ia cair no abismo.
Viu que, quando as raízes se rompessem, não se poderia agarrar a nada, nem mesmo a si própria.
Pois era ela própria o que ela agora ia perder. / Compreendeu que lhe restavam somente alguns momentos. /
Então virou a cara para o outro lado do abismo. Tentou ver através da escuridão.
Mas só se via escuridão. Ela, porém, pensou:
– Do outro lado do abismo está com certeza alguém. / E começou a chamar.»
Entre mitos, antigos e modernos, que procuram encontrar sentido
até para o que parece não ter sentido algum, e,
assim, dar algum alento aos seres humanos,
no meio de um movimento que parece sempre ameaçar a sua existência,
e meras mentiras com que se educam as pessoas para melhor as dominar,
habitualmente acredita-se que a vida não é um permanente possível abismo.
Ora, a magnífica metáfora que Sophia criou para dar a ver a profunda angústia da vida humana,
é paradigma do que esta é em cada momento que dela se queira considerar.
A vida não é um abismo.
Se assim fosse, Sophia não poria a Mulher do conto a chamar,
dirigindo rosto e voz para o outro lado do abismo.
É que o abismo não é um lugar, é uma situação; uma possível última paixão.
A Mulher do conto, tendo desbaratado todas as oportunidades de viver, ainda assim,
acredita que há um outro lado do abismo, deste modo acreditando que será possível
aniquilar o abismo em vez de ser o abismo a aniquilá-la.
Ora, apenas uma voz que responda à voz da mulher elimina o abismo:
se houver quem responda, haverá possibilidade de anular o abismo, com a ajuda de tal voz.
Se não, então, tudo é abismo.
A Páscoa não é abismo, porque a Páscoa não é a negação da voz que nos pode responder.
Pelo contrário, a Páscoa é a voz que nos responde.
A Páscoa é a negação do sofrimento.
Não é a negação da realidade do ato da cruz, mas é a negação de que tal ato triunfe.
Num tempo de humana catástrofe, em que muitos encaram os últimos dias de sua vida como certo abismo,
que os cristãos vivam a alegria do amor, do amor seu, que é amor de Deus em suas mãos.
Há um absoluto de bem em cada ato de amor
e nesse absoluto encontra-se um especial prazer espiritual
que nos põe imediatamente um gosto a transcendência na alma.
Que se viva!
"Paix et Prière", Malel.
Comentário na íntegra aqui.